quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Fu-gee-la

 Era a música favorita do meu irmão Ali, quando ele tinha menos de um ano de idade, aos quatro ele andava cantando "life, oh life oooooh lifeee" uma música da Des'ree. A primeira palavra dele, ele disse para mim, não foi papai e nem mamãe, foi "socorro". Quando chamei minha mãe e padrasto para verem, ele repetiu por mais três vezes seguidas. Nunca esqueço o quanto isso parecia realmente uma súplica.

Meu irmão foi assassinado pelo estado de Israel, que simplesmente negaram que lançaram um míssil que infelizmente atingiu o quarto onde meus irmãos estavam, então com seus 4 e 5 anos 


A idade dos meus irmãos na imagem estão erradas, mas foi nesse quarto que ele existiu pela última vez 
Dentro do caixão, minúsculo, foi a última vez que "vi" meu irmão, seu caixão não pode ser aberto... Ninguém nunca mais falou nele, nós não falamos sobre ele, é como se sequer tivesse existido. O irmão de quem eu então com 10 anos trocava suas fraldas quando ele era recém nascido, por minha mãe não gostar de cuidar dele, sempre que podia ela me deixava o olhando, as vezes o dia inteiro... 
Seu primeiro dentinho estava estourando enquanto minha mãe dava a luz ao meu irmão Ahmed. Chorei junto de Ali, que estava febril a noite inteira...

Cuidei dos meus irmãos e dos meus primos na casa de minha avó, antes deles irem para o Líbano... Foi a última vez que vi meu irmão com vida, eu nem sequer me sinto no direito de falar sobre ele pq de alguma forma isso faz parecer que é a meu respeito ou que eu esteja usando essa tragédia para ter algum tipo de atenção, ou que, eu nem sei... Eu sei que desde que meu irmão se foi, nada mais foi igual... Acusei minha mãe de o assassinar e não minto, ainda hoje eu a culpo... 
Tudo isso ocorreu em 2003, há 20 anos atrás...

Isso ainda me corrói...



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